sábado, 30 de abril de 2011

Teoria Geral da Relatividade, 94 anos.

Em 20 de março de 1916, Albert Einstein publicou sua Teoria Geral da Relatividade. As ideias gerais nela contidas haviam sido apresentadas em novembro do ano anterior, na Academia Prussiana de Ciências, e ocupavam o físico desde 1907. Eram uma tentativa de colocar em diálogo sua Teoria Restrita da Relatividade (apresentada em 1905) e a física de Galileu e Newton, um dos fundamentos da ciência moderna. Mas abalavam as certezas anteriores (e ainda hoje predominantes, no senso comum) sobre tempo, espaço e movimento.
A imensa série de desdobramentos científicos e filosóficos da teoria de Einstein não cabe, evidentemente nestas linhas. Mas seu sentido geral é radicalizar a noção de que não há pontos de referência universais – nem, portanto, verdades únicas. Séculos antes, Galileu havia demonstrado que um mesmo fenômeno físico é visto de distintas maneiras, dependendo do ponto onde está o observador. Einstein acrescentou, a esta incerteza, muitas outras – relacionadas especialmente ao tempo. Também este, mostrou ele, dilata-se e se contrai. Não há um relógio universal, uma régua geral para todos os acontecimentos. Dois eventos que um observador vê como simultâneos podem não o ser para outro.
O interessante é que esta quebra de paradigmas científicos seria seguida, décadas mais tarde, por mudanças que sacudiram as noções sociais de tempo e a percepção sobre o status da ciência. Ao menos dois textos, disponíveis na Biblioteca Diplô, contribuem diretamente para este debate.
Em “O futuro do tempo”, Jérôme Deuvieau discute como a pós-modernidade dissolveu as réguas temporais mais importantes desde o Renascimento (as do trabalho) sem que nada tenha, ainda, ocupado seu lugar. Na Idade Média, considera ele, o tempo religioso dava sentido à vida. Mais tarde, este papel passou a ser exercido pelo labor, que cumpriu as três funções básicas antes preenchidas pela fé e seu serviço: a) Produzir vínculo social; b) Estabelecer laços entre atividade e "salvação"; c) Orientar o futuro, dando-lhe um sentido, agora secular.
Mas a deslegitimação do trabalho começa no século 19 e acelera-se no seguinte – por múltiplos fatores. Em países como a França, o tempo diretamente dedicado às atividades laborais cai de 70% da vida em vigília (em 1850) para 7% a 8%, hoje. As máquinas (o capital) encarregam-se de um conjunto crescente de atividades antes executadas por seres humanos. E as próprias aspirações dos indivíduos, na virada para o século 21, deslocam-se da acumulação de bens materiais para a "redescoberta de si".
O aspecto negativo destas transformações está, também ele, relacionado ao tempo e sua métrica. Os projetos anteriores de um "futuro melhor" por meio do trabalho coletivo perdem sentido – tanto os que apostavam nas supostas virtudes da disciplina capitalista quanto os que esperavam a coletivização da indústria. À falta de um futuro, busca-se desesperadamente o imediato: "o ser humano de hoje enxerga-se com direitos sobre o de amanhã, ameaçando o bem-estar, equilíbrio e às vezes a vida deste último".
A saída, imagina Deauvieau, está numa visão do futuro que substitua a velha ideia linear de tempo e "progresso" por outra, baseada na responsabilidade. Construir uma nova utopia é possível. Mas implica assumir posturas que já não se apoiam principalmente em nosso lugar na produção de riquezas – mas em nossa solidariedade com as gerações futuras, precaução com o planeta, preservação e multiplicação dos bens comuns.
A mudança de paradigma provocada pela Teoria da Relatividade suscita ainda outra linha de reflexão pouco convencional. Em "Outra ciência é possível", Jean-Marc Lévy-Leblond questiona uma das certezas que acompanham o Ocidente desde o Renascimento: o suposto caráter "neutro", "objetivo" e, portanto, "universal" do saber científico. É algo que resistiu, pensa ele, como um porto seguro no século 20. "Em um mundo no qual sistemas sociais, valores espirituais, formas estéticas vivem incessantes abalos, seria tranquilizador que a ciência oferecesse pelo menos um ponto fixo de referência, dentro do relativismo ambiente"...
Mas ao longo de seu texto, Leblond reúne elementos que contestam esta falsa segurança. O que chamamos hoje de "ciência" diz ele, é uma das múltiplas formas possíveis de produção do saber. Seu método, desenvolvido a partir da Grécia e baseado na abstração e na prova, é de fato um avanço em relação, por exemplo, às formulações empíricas dos egípcios. Regride mais tarde, para ressugir no Renascimento (com grande contribuição islâmica), associado à mecanização, ao "domínio da natureza" e à produção de riquezas. Mas pode perfeitamente estar em declínio. O comando mercantil que lhe deu força em outros tempos restringe gravemente, hoje, a "possibilidade de pesquisas especultaivas, sem garantia de sucesso imediato".
Não há ampliação de horizontes sem abandono das antigas referências. Assim como a Teoria da Relatividade nos liberta da segurança ilusória de um "tempo único", deveríamos estar abertos, conclui Leblond, a "outras formas de ciência". Mas não poderemos fazê-lo sem o doloroso reconhecimento de que não temos as chaves do saber... (Antonio Martins).

SAIBA MAIS:
> A Biblioteca Diplô oferece, além dos textos citados, fichas sobre Ciência, e Crise do Cientificismo e do Desenvolvimentismo
> Há verbetes ricos sobre Albert Einstein e a Teoria da Relatividade na versão em português da Wikipedia. Talvez o segundo exagere um pouco no recurso a fórmulas e equações. Um ótimo artigo sobre Albert Einstein – seu tempo, vida, obra e polêmicas – pode ser lido no site da Universidade Federal de Santa Maria, e acessado por aqui.

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