sábado, 6 de fevereiro de 2010

A Escola Pitagórica.

Texto de Luiz Roque.

Fundado pela lendária figura de Pitágoras, não sabemos bem desde quando ou até quando o pitagorismo foi uma escola para iniciados ou para uma elite esotérica reduzida. Este aspecto do pitagorismo se deve à sua ligação com o orfismo (de Orfeu ), que tinha essas características.
A verdade é que, desde cedo, os pitagóricos se voltaram para o número natural. Analisaram-no sob todas as formas. A importância que atribuíram aos números, associada ao caráter místico da Escola, conduziu os pitagóricos a verem nos números mais do que uma criação da mente humana ou um ludismo inteligente.
Eles descobriram "forças" nos números, propriedades eficientes, ações sobre a vida, poderes proféticos. E chegaram a considerar que as coisas eram feitas de números, que os números eram a sua FÍSIS. Eles são os primeiros que, com suficiente clareza, colocam a importância do número:
"Todas as coisas têm um número e nada se pode compreender sem ele" , diz Filolau.
A História tem de reconhecer nos pitagóricos os primeiros a vislumbrar a importância do quantitativo (futuro da ciência) e o fato de que o conhecimento quantitativo é mais completo e engloba o qualitativo. Assim, pois, Pitágoras e Heráclito são precursores da Dialética moderna.
Para relacionar um número a cada coisa, os pitagóricos acreditaram na existência de mônadas, unidades mínimas, de forma que cada coisa seria formada por um número inteiro de mônadas. A Escola apresentou mais de uma demonstração do chamado "Teorema de Pitágoras", que será dispensada aqui, por ser bastante conhecida. Parece, entretanto, que este teorema já era conhecido de egípcios e babilônicos.
Os pitagóricos relacionavam números com fatos e entidades. Por exemplo, 3 era o número da Justiça e 4 o do casamento; 1(um) é a união, a coincidência entre o finito e o infinito (?).
Criaram, também, os conceitos de números abundantes, deficientes e perfeitos:
a) Abundantes: são aqueles cuja soma dos seus divisores é maior do que ele. Por exemplo, 12 admite os divisores 1, 2, 3, 4, 6, que somam 16.
b) Deficientes, cujos divisores apresentam soma menor que o número. Por exemplo, 8 admite os divisores 1, 2, 4, que somam 7.
c) Perfeitos, cujos divisores têm soma igual ao número dado: 496 é divisível por 1, 2, 4, 8, 16, 31, 62, 124, 248, que somam 496!!
É claro que estes números sempre se relacionavam com influências mágicas. Modelarmente perfeito e, por isso, pleno de magia era o número 6, cuja soma (1+2+3) e cuja multiplicação (1.2.3) dos divisores produzem ambas o número 6.
Também é mágico o número dez (tetrarkys): 1 + 2 + 3 + 4.
A orientação dos números em formas determinadas é o que foi chamado de ?séries gnômicas?.
A distribuição dos números ímpares 1 + 3 + 5 + 7 +... conduz a figuras quadradas e a somas que são segundas potências de números.
Daí por que estas segundas potências são chamadas quadrados dos números:
A distribuiçao dos números pares, por sua vez, forma um retângulo (números retangulares):
Finalmente, a distribuição dos números naturais forma um triângulo e, por isso, eram chamados, pelos pitagóricos, de números triangulares.


o    1
o o    3
o o o    6
o o o o    10
o o o o o    15
Notando que:
1 = 1x2/2
3 = 2x3/2
6 = 3x4/2
10 = 4x5/2
...
a nossa expressão geral para números como 1, 3, 6, 10, 15.....seria:
n = m(m+1)/2


As Médias Aritmética, Geométrica e Harmônica (ou Subcontrária)
Os pitagóricos apresentaram essas três conhecidas médias de forma bastante curiosa. Nas expressões seguintes, considere que a média é sempre representada pela letra b:


Média Aritmética
(a-b)/(b-c) = a/a
Esta curiosa forma de escrever é equivalente a que h oje fazemos:
b= (a+c)/2


Média Geométrica
(a-b)/(b-c) = a/b
Note o leitor que dessa sentença resulta que b 2 = ac.
Hoje, fazemos: b = (ac)1/2


Média Harmônica
(a-b)/(b-c) = a/c donde resulta: b= 2ac/(a+c)
que é o mesmo que obtemos hoje, ao definir a média harmônica entre a e c pela fórmula:
b = 2 / (1/a + 1/c)


Nicômaco de Gerasa (séc. I DC) escreve:"A proporção harmônica se exprime, de ordinário, por frações, quando relacionada com a música que, segundo a lenda, deu ensejo à sua descoberta".
Exemplo: 6, 8, 12 ou 1, 4/3, 2


O nome subcontrária provém do fato de que, se b é média harmônica entre a e c, então 1/b é média aritmética entre 1/a e 1/c.
Exemplo: 6, 8, 12 e 1/6, 1/8 e 1/12


Note-se a relação entre esta média harmônica e o cubo, figura perfeita. A grande glória para os pitagóricos foi verificar que os números 6 e 12 e as suas médias correspondiam aos comprimentos das cordas dos instrumentos musicais: a lira tetracórdio dos gregos tinha cordas na proporção: 6 : 8 : 9 : 12 ou 1 : 4/3 : 3/2 : 2


Quando tangidas estas cordas (mantidas constantes a constituição e o diâmetro), fornecem,respectivamente, as notas do, fá, sol e do(de 8.ª ), resultando, entre duas notas consecutivas, um intervalo musical de Quarta; entre duas alternadas, um intervalo de Quinta; e entre os dois extremos, um intervalo de Oitava:


DÓ                FÁ                SOL               DÓ
6                     8                   9                  12
|<---quarta---> |
|<------------quinta-------------->|
|<----------------------oitava----------------------->|


É provável que o som de percussão (a música primitiva) tenha sido superado inicialmente pela lira monocórdio (com o instrumentista fazendo os intervalos com os dedos), vindo, depois, a lira tetracórdio, a lira heptacórdio, a decacórdio e a dodecacórdio.


O Número Irracional
Não se sabe se foram os pitagóricos ou os seus críticos de Eléia que vislumbraram por vez primeira o número irracional. Para visualizar isso, considere um triângulo retângulo de dois catetos iguais:


Vamos partir do conhecido Teorema de Pitágoras, que dá o valor da hipotenusa em função dos catetos, através da fórmula:
a2 = b2 + c2
Sendo b= c, temos:
a2 = b2 + b2
a2 = 2b2


Vamos supor que a hipotenusa a e o cateto b sejam comensuráveis, isto é, que exista o racional m/n irredutível, tal que:
a = (m/n) b
Seja, por exemplo, m par. Então, n terá que ser ímpar, pois trata-se de uma fração irredutível.
Por Pitágoras, sabemos que: a2 = 2b2
Elevando ao quadrado ambos os membros da igualdade a = (m/n) b, teremos:


a2 = (m2 / n2 ) . b2
2b2 = (m2 / n2 ) . b2
Logo, m2 / n2=2
Donde: m2 = 2 n2
Como m é par, segue-se que m2 é divisível por 4, o mesmo ocorrendo com 2 n2
Logo, n2 é divisível por 2 e n também, o que contradiz a hipótese de que n é ímpar.


A existência do irracional vinha abalar o edifício pitagórico, que considerava todas as medidas como dadas por números discretos de mônadas. Esse abalo iria levar a ciência grega para o imobilismo, o qualitativo e a forma. Na Matemática, para a Geometria.


Logo, viria Platão.

Luiz Roque é professor, contista e poeta. Formado em Engenharia Química, Química e História, leciona atualmente em cursos pré-vestibulares e é autor de 12 livros.

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